O homem discorda de pronto, contestando como um deus tão bom poderia ter como obra a cruel e imperfeita realidade. O barbeiro, ainda educado, diz que as pessoas têm seu livre arbítrio para escolher encontrá-lo e se banhar na sua luz. Que depende tão-somente de cada pessoa obedecer sinhozinho Deus para ser feliz. E exemplifica com a sua profissão, afinal:
— Olhe só pela janela. Vê que nas ruas há muitas pessoas com a barba mal-cuidada e desalinhada? Ainda assim estou aqui, e quem vier terá seu semblante tratado e asseado com os meus serviços. Não posso buscá-los todos, trazê-los e forçá-los a me aceitar.
Assim se convence o homem de que Deus, se existe, tem razão em ficar parado num templo esperando a clientela, apesar da onipresença; em exigir orações e confissões, apesar da onisciência; em permitir o mal enquanto prefere o bem, apesar da onipotência.
Ouvi eu essa parábola, e ficou evidente que o barbeiro era Deus disfarçado, espalhando sua sabedoria sorrateiramente. Procurando um pouco mais fundo, fui saber o resultado do serviço divino no rosto do simpático personagem.
É isso que vemos. É isso que está do outro lado da janela, seja um santo ou um demônio. Não há distinção entre ímpios e crentes no grupo dos desgraçados. Não há ajuda ou castigo para quem acredita mais ou menos.
Por isso, eu mesmo faço a minha barba.
Pietro Borghi
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