segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Modéstia, demonstrada à maneira dos lógicos.

A modéstia consiste na ausência de sentimentos de superioridade por realizações próprias.
Modesto é todo aquele que pratica a modéstia.
Segundo o senso popular, a modéstia é uma virtude.
Virtude representa um grupo de características de espírito superiores, pelas quais o indivíduo demonstra maior valor moral.

Elementos:
m = modéstia;
A = um indivíduo modesto qualquer;
B = um indivíduo qualquer diferente de A;
V = conjunto das virtudes;
p¹ = proposição 1;
Assumo os símbolos para comparação de grandezas quantitativas (">" e "<") como comparações qualitativas. Dessa maneira, em vez de maior ou menor, leia-se melhor ou pior.

Demonstração:
p¹ = A>B
m → ~p¹
m → ~(A>B)
m∈V → A>B
m∈V → p¹
p¹ → ~m ⊢ m∈V → ~m (?!)

Conclui-se então que a modéstia é em si contraditória, meu povo. E assim, afirmando que é pior, prova o modesto a sua superioridade!


Pietro Borghi

Rebeldia, demonstrada à maneira dos geômetras.

Demonstração A:
I. Por rebeldia, entendo todo ato social de negação a um estado de coisas na realidade societária. Rebelde, por sua vez, é todo aquele que pratica a rebeldia.
II. Sendo o status quo social reprovado pelo rebelde, infere ele que o mecanismo de julgamento dessa realidade societária sobre seus integrantes é falho, pois gera o próprio status quo contra o qual ele se rebela.
III. Sendo esse mecanismo falho, o julgamento dele resultante sobre o rebelde em questão provavelmente também é.

Corolário:
Segue-se então que qualquer fracasso pode não resultar de uma incapacidade do rebelde, mas do sistema. O rebelde seria uma vítima da inépcia do sistema em visualizar seu valor. Q.E.D.

Demonstração B:
I. Assumam-se as proposições I, II e III da demonstração A.
II. Se o julgamento sobre o rebelde provavelmente é falho, significa que há alguma possibilidade de que ele seja correto.

Corolário:
Segue-se que, no caso de êxito social do rebelde, esse conclui que prevaleceu graças a um julgamento correto do sistema, que reconheceu suas capacidades e de maneira justa o promoveu. Q.E.D.


Pronto! Agora, quando me perguntarem por que sou rebelde, tenho uma resposta puramente racional.


Pietro Borghi

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Barbeador Psicológico

O homem observou. Observou as ruas, as pessoas nelas, suas feições, estilos, maneiras, trato. E viu homens soberbos de rostos limpos, pele nua de fios. E lembrou da revelação anterior: ali havia com certeza um bom barbeiro. Crendo nisso, foi o homem se informar. Perguntou aos de barba bem feita, quem era o responsável por elas. Quem? Decepcionou-se. Um mostrava-lhe um barbeador elétrico, outro um aparelho manual, espuma, navalha. Todos dispensavam barbeiros; eles não existiam. Faziam suas barbas com habilidade sua aqueles que as queriam bem feitas; e inventaram, por próprio engenho e perícia, ferramentas para isso.
Refletiu então novamente o homem. Teve que se conformar com a ideia de que ali, o que barbeava o homem era criação dele mesmo. Que ferramentas eram só ferramentas, artefatos, feitos, pensados e materializados pelo homem; e alguns somente pensados. Somente pensados.


Pietro Borghi

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Comiserai-vos dos pobres burgueses!

Ganhei de presente este e-mail — solstício de verão adiantado. Logo depois há um leve comentário.

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KIT DO BRASILEIRO

*Vai transar?*
O governo dá camisinha.
*Já transou?*
O governo dá a pílula do dia seguinte.
*Teve filho?*
O governo dá o Bolsa Família..
 *Tá desempregado?*
O governo dá Bolsa Desemprego.
 *Vai prestar vestibular?*
O governo dá o Bolsa Cota.
 *Não tem terra?*
O governo dá o Bolsa Invasão e ainda te aposenta.
*RESOLVEU VIRAR BANDIDO E FOI PRESO?*
a partir de 1º/1/2010 O GOVERNO DÁ O AUXÍLIO RECLUSÃO?
 

*esse é novo*
Todo presidiário com filhos tem direito a uma bolsa que, é de R$798,30 "por filho" para sustentar a família, já que ocoitadinho não pode trabalhar para sustentar os filhos por estar preso.

Não acredita?
Confira no site da Previdência Social.

Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS
(http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22)

*Mas experimenta estudar e andar na linha pra ver o que é que te acontece!*



"Trabalhe duro, pois milhões de pessoas que vivem do Fome-Zero e do Bolsa-Família, sem trabalhar, dependem de você"

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Governo assistencialista, né não? Pois claramente é um crime manter vagabundos ganhando o Bolsa-Família, em vez de lhes entregar ao vampirismo dos empresários. Nada de Bolsa-Esmola; o correto é o Salário-Esmola. Apertem os parafusos da TV que vale quatro salários seus; instalem a pastilha de freio do carro que jamais terão; cortem a cana que locomove os seus exploradores. Isso sim é justiça! (ou seria, não fosse o desemprego condição necessária para o exercício do poder oligárquico).

Pois e os sem-terra, corja baderneira e ilegal? Companheirada do governo! Acham que ninguém vê na televisão e nas revistas as depredações desses camponeses que pensam ter direito a meios de subsistência? Pois está sempre lá, coleguinhas, no Jornal Nacional, na Veja, no papelote (sacaram?) da família Frias — essa tão “frias” que me dá calafrios — e nas outras “miguxas midiáticas”.

A meritocracia, como tão despreparadamente acusam os detratores do capitalismo, não ocorre neste fofo sisteminha. Afinal, quem já nasce cheio de oportunidades não faz mais que a obrigação de prevalecer. Na piscina da sociedade plutocrática, uns nadam vestindo LZR Racer e outros vestindo roupas de palhaço. E nesse caso, caro burguês, o palhaço não é você.


Pietro Borghi

domingo, 14 de novembro de 2010

Errata. Ou não.

Descobri que inverti os papéis na estorinha anterior. Aqui está a original: http://cljparoquiasaojose.blogspot.com/2010/07/o-barbeiro-e-deus_18.html.

Parece até que eu manipulei para privilegiar o meu ponto de vista. Parece? Isso não altera a moral da história, que ressalta o benefício de bondade infinita a todos aqueles que crêem no todo-poderoso. E isso acontece? Olhe para todos que acreditam no Senhor. Olhe para o percentual de crentes encarcerados. Olhe para o número de doentes que morrem não obstante a persistência na fé. Podem argumentar que lhes faltou uma colherada, mas só me contento quando inventarem um "pistisômetro" (precisei do neologismo agora; πίστης, pistis, significa fé em grego). E mesmo assim, fé em alguma coisa não prova a existência dela. Acreditar em unicórnios os torna mais prováveis?

Na prática, Deus é um barbeiro à la Sweeney Todd, cortando a garganta dos infelizes. Basta lembrar das ordens supremas que Josué recebeu: degola sem hesitação. Com a ressalva do cardápio, pois o Senhor não serve torta. Só churrasco.


Pietro Borghi

sábado, 13 de novembro de 2010

Deus, o Barbeiro

Um homem (nessa parábola, homem) foi ao barbeiro, requisitar o serviço óbvio. Como é comum nessas situações — nunca fui mas deve ser uma espécie de cabeleireiro heterossexual —, o homem e o profissional começam um diálogo profundo sobre o pênalti não marcado, o imbecil que fechou no trânsito (evitando o xingamento comum, é claro) e cada par de pernas femininas à vista. Com extrema leviandade, o homem levanta a questão: Deus existe? O educadíssimo barbeiro responde que deve existir, e que ele é supremamente bom, criador de todas as coisas, onipotente, onisciente, onipresente, onimaníaco, onívoro, oni, oni... qualifica o barbudo celeste ad nauseam.
O homem discorda de pronto, contestando como um deus tão bom poderia ter como obra a cruel e imperfeita realidade. O barbeiro, ainda educado, diz que as pessoas têm seu livre arbítrio para escolher encontrá-lo e se banhar na sua luz. Que depende tão-somente de cada pessoa obedecer sinhozinho Deus para ser feliz. E exemplifica com a sua profissão, afinal:

— Olhe só pela janela. Vê que nas ruas há muitas pessoas com a barba mal-cuidada e desalinhada? Ainda assim estou aqui, e quem vier terá seu semblante tratado e asseado com os meus serviços. Não posso buscá-los todos, trazê-los e forçá-los a me aceitar.

Assim se convence o homem de que Deus, se existe, tem razão em ficar parado num templo esperando a clientela, apesar da onipresença; em exigir orações e confissões, apesar da onisciência; em permitir o mal enquanto prefere o bem, apesar da onipotência.
Ouvi eu essa parábola, e ficou evidente que o barbeiro era Deus disfarçado, espalhando sua sabedoria sorrateiramente. Procurando um pouco mais fundo, fui saber o resultado do serviço divino no rosto do simpático personagem.

Aí está:


É isso que vemos. É isso que está do outro lado da janela, seja um santo ou um demônio. Não há distinção entre ímpios e crentes no grupo dos desgraçados. Não há ajuda ou castigo para quem acredita mais ou menos.

Por isso, eu mesmo faço a minha barba.


Pietro Borghi