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sábado, 13 de novembro de 2010

Deus, o Barbeiro

Um homem (nessa parábola, homem) foi ao barbeiro, requisitar o serviço óbvio. Como é comum nessas situações — nunca fui mas deve ser uma espécie de cabeleireiro heterossexual —, o homem e o profissional começam um diálogo profundo sobre o pênalti não marcado, o imbecil que fechou no trânsito (evitando o xingamento comum, é claro) e cada par de pernas femininas à vista. Com extrema leviandade, o homem levanta a questão: Deus existe? O educadíssimo barbeiro responde que deve existir, e que ele é supremamente bom, criador de todas as coisas, onipotente, onisciente, onipresente, onimaníaco, onívoro, oni, oni... qualifica o barbudo celeste ad nauseam.
O homem discorda de pronto, contestando como um deus tão bom poderia ter como obra a cruel e imperfeita realidade. O barbeiro, ainda educado, diz que as pessoas têm seu livre arbítrio para escolher encontrá-lo e se banhar na sua luz. Que depende tão-somente de cada pessoa obedecer sinhozinho Deus para ser feliz. E exemplifica com a sua profissão, afinal:

— Olhe só pela janela. Vê que nas ruas há muitas pessoas com a barba mal-cuidada e desalinhada? Ainda assim estou aqui, e quem vier terá seu semblante tratado e asseado com os meus serviços. Não posso buscá-los todos, trazê-los e forçá-los a me aceitar.

Assim se convence o homem de que Deus, se existe, tem razão em ficar parado num templo esperando a clientela, apesar da onipresença; em exigir orações e confissões, apesar da onisciência; em permitir o mal enquanto prefere o bem, apesar da onipotência.
Ouvi eu essa parábola, e ficou evidente que o barbeiro era Deus disfarçado, espalhando sua sabedoria sorrateiramente. Procurando um pouco mais fundo, fui saber o resultado do serviço divino no rosto do simpático personagem.

Aí está:


É isso que vemos. É isso que está do outro lado da janela, seja um santo ou um demônio. Não há distinção entre ímpios e crentes no grupo dos desgraçados. Não há ajuda ou castigo para quem acredita mais ou menos.

Por isso, eu mesmo faço a minha barba.


Pietro Borghi